20080518

CAPÍTULO T | DESOBEDIÊNCIA

... que – assegurado o cumprimento das leis – a desobediência política é legítima;

Ordem, hierarquia, disciplina e obediência, vigilância (ou patrulha) e punição; e fidelidade imposta top down, são virtudes de sistemas autocráticos.


Relações hierárquicas, relações de subordinação, que exigem obediência, baseiam-se na negação do outro. Com exceção das leis democraticamente aprovadas, a democracia não pode aceitar que alguém faça alguma coisa que não quer ou deixe de fazer alguma coisa que quer em virtude de sanção ou ameaça de sanção proveniente de instância hierárquica. Portanto, respeitado o pacto de convivência, é legítima a desobediência política e ninguém é obrigado a acatar uma decisão com a qual não concorde ou mesmo concordando não queira acatar, por medo de sanção, ainda que tal decisão tenha sido tomada por maioria. Obediência nada tem a ver com colaboração, que pressupõe adesão voluntária, seja por concordância, seja por resultado de convencimento ou por livre assentimento.

Assim, em coletivos políticos de adesão voluntária, nenhum tipo de disciplina deve ser imposta e nenhum tipo de obediência deve ser exigida dos participantes, além daquelas às regras a que voluntariamente aderiram. Nenhum tipo de sanção pode ser imposta aos participantes, nem mesmo em virtude do descumprimento das regras a que voluntariamente aderiram. Todos têm o direito de não acatar decisões. Ordem, hierarquia, disciplina e obediência, vigilância (ou patrulha) e punição; e fidelidade imposta top down, são virtudes de sistemas autocráticos. Nada disso tem a ver com a democracia. Quanto mais autocrática for uma organização, mais ela insistirá na exaltação de tais “virtudes”. As razões para isso são tão claras que dispensariam comentários. Todas as organizações não-estatais e não baseadas em contratos (de trabalho ou de prestação de serviços) são (ou deveriam ser) constituídas por adesão voluntária. Em organizações voluntárias, obedece quem concorda. Querer exigir disciplina e obediência em relações sociais (stricto sensu) é um absurdo. Impor sanções para quem não obedece é uma violência e, como tal, um comportamento antidemocrático.

Organizações que visem chegar à (ou praticar a) democracia (no sentido “forte” do conceito), não podem se organizar autocraticamente para atingir seus fins. Não existe caminho para a democracia a não ser a democratização contínua das relações; ou, parafraseando Mohandas Ghandi, não existe caminho para a democracia: a democracia é o caminho, como veremos no próximo e no último capítulos.

Indicações de leitura

É sempre bom ler aquele instigante livrinho de David Henry Thoreau: A desobediência civil (1849). E, em seguida, ler o ensaio de Hannah Arendt: “Desobediência civil” in Crises da República (1969).

Sobre obediência (e desobediência), é vital ler a obra de Humberto Maturana, em especial os textos, já indicados aqui: “Lenguaje, emociones y etica en el quehacer politico” (1988); El sentido de lo humano (1991); Amor y Juego: fundamentos olvidados de lo humano – desde el Patriarcado a la Democracia (com Gerda Verden-Zöller) (1993); e A democracia é uma obra de arte (s./d.).

Nenhum comentário: