... que não é correto – nem desejável – que o vencedor leve tudo (e que é possível estabelecer condições win-win, em que todos ganhem);
A mentalidade autocrática abomina a idéia de consenso.
A verificação democrática não pode ser uma luta da qual resultem vencedores (que ficam com tudo) e vencidos (dos quais se retira tudo). Não existe um fator intrapolítico que determine que a regulação política deva ser competitivo-excludente, ou seja, que consagre como legítimas propostas ou representantes que obtiverem a maioria das indicações e condene como ilegítimos os que ficarem em minoria. É mesmo difícil de justificar, se não impossível de explicar, por que alguém (ou alguma proposta) que obteve, por exemplo, 50,1% dos votos, seja considerado totalmente mais legítimo do que outro representante (ou outra proposta) que atingiu “apenas” 49,9% dos votos. Por que deverão se sentir representados por um governante eleito e empossado, que obteve 5 milhões de votos mais 1, os eleitores do candidato que atingiu 4.999.999 votos? Como se pode compreender tal desaparecimento ou cassação dessa vontade coletiva?
Parece óbvio que, em sã consciência, ninguém pode concordar com isso: simplesmente aceita-se a regra porquanto aceita-se, antes, a meta-regra de que deve haver regras, baseada esta última, por sua vez, em um preconceito ideológico de que as coisas não poderiam funcionar de outra maneira, ou seja, não sem regras mas sempre sem uma (“aquela”) determinada regra. Destarte, a verificação política equipara-se a uma competição, na acepção esportiva do termo, ou seja, naquele triste sentido que George Orwell assinalava para o esporte competitivo, como uma “guerra sem mortes”. Glória e eterna memória para o que chega em primeiro lugar na corrida, mesmo que por um milionésimo de segundo; esquecimento coletivo e algumas vezes opróbrio, para o segundo colocado.
Ora, a idéia de que o vencedor não pode levar tudo, radicaliza a democracia porquanto a faz retomar seu princípio fundante: a manutenção da convivência entre os participantes. Por que alguém não pode ter porcentagem de vitória, por que uma proposta não pode apresentar porcentagem de razão? (1)
Objetar-se-á que isso tornaria a regulação democrática impraticável, mas a alegação não parece ser correta: é sempre possível – desde que abramos mão, não de regras, mas de uma determinada regra, por exemplo, a do comando unipessoal em troca de instâncias colegiadas de coordenação – fazer composições proporcionais. Uma chapa de candidatos que, por exemplo, obteve 60% dos votos para um coletivo composto de dez pessoas, colocará nessa instância 6 pessoas, enquanto que a outra chapa, que alcançou 40% dos votos, terá asseguradas 4 vagas (e isso é até admitido pelos autocratas, desde que dentro de seu “campo”, mas jamais no confronto com o “campo” dos inimigos). Da mesma forma, pode-se sempre tentar aglutinar propostas que obtiverem quantidades diferentes de votos ou, quando isso não for possível, pode-se sempre partir para uma nova proposta que substitua as propostas anteriormente conflitantes, utilizando-se métodos de construção progressiva de consensos.
Para a democracia, quando se forma um consenso, todos ganham. O próprio consenso (independentemente de seu conteúdo substantivo) já é a vitória da política democrática. Quando não se forma um consenso, alguém sempre tem que perder para que outro possa ganhar. Mas para a mentalidade autocrática, quando se forma um consenso todos perdem: porque deixaram de vencer, de derrotar o outro, de diminuir a força do adversário, de neutralizar ou exterminar o inimigo.
Ocorre que – intoxicada pela ideologia de que existe um lado certo (o seu) e que abrir mão disso é capitular diante do inimigo – a mentalidade autocrática abomina a idéia de consenso (a não ser quando se trata de usar o consenso para aumentar a força de seu campo no confronto com o campo inimigo), querendo partir logo para a disputa, para “bater chapas”, para “levantar crachás”, enfim, para votar, como veremos no próximo capítulo.
A verificação democrática não pode ser uma luta da qual resultem vencedores (que ficam com tudo) e vencidos (dos quais se retira tudo). Não existe um fator intrapolítico que determine que a regulação política deva ser competitivo-excludente, ou seja, que consagre como legítimas propostas ou representantes que obtiverem a maioria das indicações e condene como ilegítimos os que ficarem em minoria. É mesmo difícil de justificar, se não impossível de explicar, por que alguém (ou alguma proposta) que obteve, por exemplo, 50,1% dos votos, seja considerado totalmente mais legítimo do que outro representante (ou outra proposta) que atingiu “apenas” 49,9% dos votos. Por que deverão se sentir representados por um governante eleito e empossado, que obteve 5 milhões de votos mais 1, os eleitores do candidato que atingiu 4.999.999 votos? Como se pode compreender tal desaparecimento ou cassação dessa vontade coletiva?
Parece óbvio que, em sã consciência, ninguém pode concordar com isso: simplesmente aceita-se a regra porquanto aceita-se, antes, a meta-regra de que deve haver regras, baseada esta última, por sua vez, em um preconceito ideológico de que as coisas não poderiam funcionar de outra maneira, ou seja, não sem regras mas sempre sem uma (“aquela”) determinada regra. Destarte, a verificação política equipara-se a uma competição, na acepção esportiva do termo, ou seja, naquele triste sentido que George Orwell assinalava para o esporte competitivo, como uma “guerra sem mortes”. Glória e eterna memória para o que chega em primeiro lugar na corrida, mesmo que por um milionésimo de segundo; esquecimento coletivo e algumas vezes opróbrio, para o segundo colocado.
Ora, a idéia de que o vencedor não pode levar tudo, radicaliza a democracia porquanto a faz retomar seu princípio fundante: a manutenção da convivência entre os participantes. Por que alguém não pode ter porcentagem de vitória, por que uma proposta não pode apresentar porcentagem de razão? (1)
Objetar-se-á que isso tornaria a regulação democrática impraticável, mas a alegação não parece ser correta: é sempre possível – desde que abramos mão, não de regras, mas de uma determinada regra, por exemplo, a do comando unipessoal em troca de instâncias colegiadas de coordenação – fazer composições proporcionais. Uma chapa de candidatos que, por exemplo, obteve 60% dos votos para um coletivo composto de dez pessoas, colocará nessa instância 6 pessoas, enquanto que a outra chapa, que alcançou 40% dos votos, terá asseguradas 4 vagas (e isso é até admitido pelos autocratas, desde que dentro de seu “campo”, mas jamais no confronto com o “campo” dos inimigos). Da mesma forma, pode-se sempre tentar aglutinar propostas que obtiverem quantidades diferentes de votos ou, quando isso não for possível, pode-se sempre partir para uma nova proposta que substitua as propostas anteriormente conflitantes, utilizando-se métodos de construção progressiva de consensos.
Para a democracia, quando se forma um consenso, todos ganham. O próprio consenso (independentemente de seu conteúdo substantivo) já é a vitória da política democrática. Quando não se forma um consenso, alguém sempre tem que perder para que outro possa ganhar. Mas para a mentalidade autocrática, quando se forma um consenso todos perdem: porque deixaram de vencer, de derrotar o outro, de diminuir a força do adversário, de neutralizar ou exterminar o inimigo.
Ocorre que – intoxicada pela ideologia de que existe um lado certo (o seu) e que abrir mão disso é capitular diante do inimigo – a mentalidade autocrática abomina a idéia de consenso (a não ser quando se trata de usar o consenso para aumentar a força de seu campo no confronto com o campo inimigo), querendo partir logo para a disputa, para “bater chapas”, para “levantar crachás”, enfim, para votar, como veremos no próximo capítulo.
Indicações de leitura
Seria interessante ler três textos que não constituem propriamente estudos de teoria política, mas que tentam desconstituir a lógica competitivo-adversarial daquela política que tem horror ao consenso: “O Poder Correto”, capítulo 7 do livro A Conspiração Aquariana de Marilyn Ferguson (1980); “A Democracia no Século 21”, do livro A Terceira Onda de Alvin Toffler (1980); e “O aperfeiçoamento das ferramentas democráticas”, capítulo 11 do livro Construindo um mundo onde todos ganhem (“Building a Win-Win World”), de Hazel Henderson (1996).
Nota
(1) Como disse Tenzin Giatzo, o XIV Dalai Lama, em comunicação pessoal a uma platéia reunida para ouvi-lo na Universidade de Brasília, em 1999.
Seria interessante ler três textos que não constituem propriamente estudos de teoria política, mas que tentam desconstituir a lógica competitivo-adversarial daquela política que tem horror ao consenso: “O Poder Correto”, capítulo 7 do livro A Conspiração Aquariana de Marilyn Ferguson (1980); “A Democracia no Século 21”, do livro A Terceira Onda de Alvin Toffler (1980); e “O aperfeiçoamento das ferramentas democráticas”, capítulo 11 do livro Construindo um mundo onde todos ganhem (“Building a Win-Win World”), de Hazel Henderson (1996).
Nota
(1) Como disse Tenzin Giatzo, o XIV Dalai Lama, em comunicação pessoal a uma platéia reunida para ouvi-lo na Universidade de Brasília, em 1999.
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